domingo, 25 de junho de 2023

Viver é cru

    Lino,

    Decido te escrever enquanto passo pela Avenida Brasil. É cruzando a Praça Tiradentes à 00:20 da madrugada de um domingo que te sinto a falta. 

    Tem tanta poesia por aí, acho que esqueci como era assim me sentir viva, desperta e ter tesão pela vida. A gente fica se sujeitando a ser eco de si mesmo. Permitimos que sons monótonos e preces monoteístas encham os nossos dias que outrora foram polifônicos e hereges. Desaprendemos a agarrar a vida pelas unhas, a suspirar, a gemer, a tremer e debulhar em lágrimas de alegria por simplesmente estar em completude com a própria existência.

    Lino, viver é cru. 

    A gente se deixa esquecer que nessa crueza quem faz poesia não são os poetas pretensiosos de cachos rebeldes e narizes pontudos, somos nós. Rebelar-se é tomar a coragem de assalto e ter ousadia para se encher de si. Permitir uma não-conformidade em ser triste para sempre.

    Enquanto o carro dobra a esquina na Francisco Sales, aproveito o silêncio do motorista e da noite pra te dizer: já não choro mais de saudade. Essa palavra ganhou novos trajes quando você apareceu ali pela boemia sem razão de ser, numa esquina e num bar, como tem que acontecer. Tua chegada tem cheiro, tem sabor, tem temperatura e tem nome de quem me atormenta as palavras desde que me entendo por gente que escreve. 

    Estou feliz e quase me dói dizer isso, como se houvesse algo de proibido em estar com um cabide na cara e chamar de sorriso. Dói um pouco também por há muito tempo não saber como é que era ser assim feliz, mesmo sem muita razão. Não te atribuo os louros dessa felicidade porque a sua estadia é o fim da mesma. Você só está aqui porque eu me sinto feliz e não o contrário. 

    Mudei o sofá de lugar hoje. Parece sem importância, né? Essa troca corriqueira de um mobiliário doméstico cuja única finalidade é prestar conforto. A verdade é que mudar o sofá de lugar é também expor sujeiras escondidas e se propor a encontrar aquela embalagem de bala perdida e que era também a última memória de um amor doído. A última lembrança de que foi real. Agora é lixo. Assim abro espaço para mais um abajur e almofadas coloridas.

    Lino, a gente perde muito tempo lambendo feridas e depois é difícil perder esse hábito quando já estamos cicatrizados. Quando essa carta te encontrar na caixa de correios, eu já vou estar em seus braços aninhada e quente. Estupidamente feliz. Espero que esteja tudo bem com o seu coração. O meu eu volto a usá-lo na manga.

Com carinho e sempre sua, 


terça-feira, 23 de abril de 2019

Fortaleza



Noah Centineo in "Dear Love" by Sarah Bahbah



     Você sussurrou no pé do meu ouvido -entre pelos e cobertas- palavras tão docinhas que amoleceriam o mais duro dos corações. É assim que a gente conhece o que passa com lisura pelo coração do outro: através das palavras. O que eu vi e ouvi foi de uma candura e verdade tão grande, uma facilidade, uma simplicidade. O amor deveria vir sempre assim, do jeito que você veio, se entregando por inteiro à sua natureza.
     Tudo o que desejei ali foi a minha avidez de volta, minha urgência em amar e te desfazer todo na cama entre um suspiro e outro. Mais uma vez eu fiquei só no desejo e, em vez disso, sucumbi novamente à aspereza do meu próprio toque. Perdoa esse meu espírito atormentado. Eu queria tanto ser mais genuína em minhas reciprocidades!
     Fiz minha parte. Como sempre me comprometi a fazer, fui uma boa menina e entreguei a carne. Adocei e refinei meus beijos para combinar com o sabor dos seus. Ajustei meu toque, meu cheiro, meu jeito e até mesmo a forma de percorrer meus dedos pelo seu corpo. Tudo com prazo de validade, expirando na primeira hora da manhã. Não assinei minha obra, não te dei meus maneirismos e manias, não te procurei debaixo dos lençóis e nem fiz questão de te chamar pelo nome. Faz um tempo que tem sido assim.
     Em minhas relações humanas eu me tornei uma peça de consolo e alívio imediato, mas nunca o motivo de ficar no dia seguinte, de levar café na cama ou acordar com beijinhos pelo rosto todo. Sem querer correr o risco de parecer uma vítima ou uma pobre imolada em autoflagelo, mas a culpa é toda minha. Eu não sei mais como me conectar. Personalizar minhas experiências e entregar meu jeitinho é também me expor à uma série de eventos e sensações das quais ainda não tive coragem de assumir para mim como empreitada de vida. É que meu pudor deixou de rondar a cama para perpetrar na minha alma e, desde que essa vigília começou, meu coração virou essa fortaleza impenetrável. Inquebrável, mas também impossível de forçar entrada.
     Por isso estou me aposentando. Acho que não consigo mais fazer isso: despir-me a roupa, sem despir a alma; deitar com alguém, sem me aninhar ao peito e dormir confortável; dividir uma cama em paz; mesmo que por alguns segundos eu acredite em todos os quases do velho ditado. Que, se alguém falar as palavras certas ou me segurar por um segundo a mais, eu faço um voto perpétuo e sacro, me comprometendo a ficar por toda a vida. Todos os quases. 
     As palavras não ditas, as flechas não atiradas e as vezes que perdemos as oportunidades de nos atirarmos de cabeça em amores impossíveis. O impossível não existe para quem se permite ser frágil ao redor de alguém de coração simples. Então fico com o possível, com o que é tátil e palpável, com os dedos dos pés fincados na terra na esperança de lamber minhas feridas e um dia conseguir quebrar meu caminho para fora da minha própria fortaleza.

Najla Brandão

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

É que a vida não para e ainda avança

Photo: Dear Love w/ Noah Centineo by Sarah Bahbah



    Hoje o coração acalmou. Aceito enfim a impermanência do ser e do estar. Contemplo que o presente, viver o agora, exige muita coragem e é por isso que gastamos tempo demais pensando no que pode vir a acontecer invés de focarmos no que está existindo nesse exato instante.
    Não sou sua.
    Você não é meu.
    Fatos.
    Na minha lista de coisas para conquistar um dia na vida você é o último item. Pretensiosamente, de maneira descarada e absurda eu gostaria (e muito) de me infiltrar em tudo que quer dizer sobre você. Eu quero saber mesmo qual seu dia predileto, quem foi a sua pessoa favorita do dia, que livro que mexe com seu coração e que música te acalenta. Eu quero saber dos seus cafunés, o que te arrepia e quando é que foi que você percebeu que tava apaixonado por ela. Ao mesmo tempo eu me pergunto se isso tem cabimento dentro do que a gente não é e deixa de ser todo dia por acidentes geográficos. 
    É que a vida não para e ainda avança. É por isso que te chamo pra conversar de tardinha. É por isso que faço questão de checar se você tá bem. Independente do que a gente (in)significa de fato um pro outro, a vida não para e só avança. Amanhã você pode estar apaixonado por outra mulher ou desinteressado em me ter por perto; semana que vem pode ser que você esteja aqui ou em lugar nenhum por uma fatalidade qualquer que evidencie a fragilidade patética da vida humana. E então vai ser tarde demais para te dar os carinhos que prometi, o ombro pra chorar, os hinos de exaltação à sua beleza, a minha voracidade em devorar-te inteiro na cama e na alma. É tarde porque a vida não para e só continua. E até você achar esse texto, até você ler ele, a vida já avançou mil vezes e eu toquei seu coração. A vida avançou mais outras mil vezes e eu fiquei para trás numa memória longínqua e borrada com quase nenhuma emoção de reviver.
     A vida não parou e eu me tornei o meu maior pesadelo de ser líquida, efêmera e volátil para alguém que inundou meu peito com água e me deixou as lembranças solitárias de como é se afogar sem ver que pode morrer de amor ali mesmo se ousar inflar os pulmões mais uma vez. A vida não para. E você não parou nada por mim. A vida avança. E nos come pelas bordas, roendo nossas pretensões de ser e deixando as migalhas do que intencionávamos de verdade, mas não expusemos para manter as aparências de que temos todo o tempo do mundo para nos resolvermos. Mas não temos. A vida avança.  A vida avança e eu perdi noção de quem é o você que eu criei com esboços da minha memória, para me perder em quem você é na sua espiral particular de especificidades (tipo suas covinhas e seu jeitinho alegre de ser  meio melancólico). 
    A vida não para, sabe? Ela avança em ondas sobre a areia da praia, revirando tudo trazendo e levando de volta nossas coisas. E trouxe minhas palavras que juntas a algumas conchas e algas aparecem vez ou outra para enfeitar poesia sobre gente bonita. Bonita por dentro. Por fora. Por todos os lados e ângulos. Mas o mar também recua. Minhas palavras também. A vida não. Ela continua. Implacável. Irreparável. Irrefreável. E agora ela pede um colo que não tenho a menor ideia se vou ganhar. Agora implora por amor e afeto que eu já esqueci como que se distribui sem me atropelar por inteira e agora perco horas me perguntando se em tempos modernos vale a pena se apaixonar. E se a gente se apaixona? Ainda dou conta de sentir isso? E se dou conta, vai ser daquele jeito insano e urgente que amor pede? Aquela loucura de matar e morrer por amor? Hora dessas eu só quero a calmaria e a tranquilidade de que vou ter um peito pra deitar e meia hora de conversa de travesseiro antes de dividir as cobertas.
     É nessas incertezas que me afundo. Inspiro e expiro. Então espero a vida me avançar por completo. 

Najla Brandão

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Subversão




        _Cara, vaza da minha vida. 'Cê tá me matando aos poucos.
Era isso o que eu tinha vontade de falar no meio das fuças dele.
Tinha esse rapaz. Ele sentia coisas muito bonitas e também sabia brincar com as palavras. Ele não tem nome. Ninguém que não faz morada no meu coração possui um nome, mas ele tinha o vento nos cabelos e um nariz engraçado. Isso pra mim bastava. Chegara há pouco tempo e me roubou alguns suspiros, mas ficou na soleira da porta, eu não o convidei. De rebatida não me pediu para entrar, disse que prefere conversar ali na porta mesmo, se fosse o caso a gente podia ir na livraria tomar um café juntos. Eu não vou.
Não vou porque já andei muito chão, já vi muita malícia escondida debaixo de lindos cachos. O que posso dizer se sou perfeitamente vacinada contra esse tipo? Isso não quer dizer que não vai me roubar um beijo ou outro. Sou uma colecionadora de carinhos. Isso só significa que não vai ter amor depois do café e nem promessa de um romance incorrigível quando terminarmos de fumar o cigarro mais ferrado do país.
Rapaz do tipo poeta que chama só pra ver se a gente vai. Não tem pretensão nenhuma de ficar por perto também. Jack camaleão que hoje tem em mim seu esconderijo e amanhã já muda de cor e de ares. Entendo que a intenção pode até ser das melhores, mas desconhece os segredos de seu coração e sempre cai nas próprias armadilhas. Pois venho dizer que também sei me camuflar, mesmo que seja de gente que decifra metade de mim sem precisar de esforço. Há outra metade que se faz mistério, que se esconde nos armários e que não sai pra brincar nem se alguém chama. Sempre vou estar preocupada demais escutando Amélie Poulain enquanto ele deságua um narcisismo crônico que beira a ser doente. É muito fortuito que nesse caso eu adore uma doença. A cada fincada no peito, dor localizada de cabeça, cólica, músculo que dói eu penso que estou morrendo. No próximo minuto posso infartar, meu aneurisma se romper ou meu câncer atingir nível 4 de metástase. Basicamente é isso que me move. Saber todo dia que eu vou morrer e que todos que eu conheço vão morrer nesse dia também, faz os meus dias impressionantemente calorosos, cheio de abraços, beijos e risos. Também me deixa uns quinze por cento mais irresponsável.
Se ele vem eu o mastigo e não deixo pedaço inteiro, pode me chamar de de truculenta e sem coração, mas eu sempre avisei do meu descaso com o gostar de alguém. Chamou aqui na janela esses dias para brincar. Eu não sei brincar, quando vejo já estou machucando a rua toda e tenho uns cotovelos ralados de esbarrar no muro chapiscado de alguém. Isso não é nada para quem quebrou os ossos do corpo a vida toda e sentiu todas as facadas possíveis. Não é nada para quem sabe onde mora o inimigo e que roupa ele veste. Não acho que exista ser no mundo capaz de me fazer tombar e entortar de novo. Pensa que me tem nas mãos, mas nesse jogo eu tenho ganhado. Não que isso seja algo a se gabar, pra falar a verdade chega a ser triste, mas a vida me deu um excesso de sensatez quando se diz a respeito de sua lascívia. Mordo os lábios e ofereço dois ou três tipos de travessuras. Os rapazes se entortam, por qual motivo seria diferente com ele?
De manhã não temos remelas nos olhos, só um aconchego quente de quem acaba de tomar uma caneca de leite para suportar o dia. As frases ainda estão ressoando pelo quarto porque tem gente de coração bom e palavras traiçoeiras. Se eu mesma não fosse do esquadrão anti-bomba, já teria me fodido nessa de mergulhar cegamente na conversa alheia. Conversa mole, chega de mansinho, ri no pé do ouvido, fala besteiras que podem te enlouquecer. Olha nos seus olhos e parece que te desnuda toda, vê até o que tem por de trás da alma, dá calafrio. Isso passa quando eu lembro das minhas paixões, do mundo de possibilidades que eu devo abrir mão se escolher uma vida só para amar e viver. É muito fácil eu me perder da vista desse rapaz, e é quase com a mesma facilidade que posso me perder naqueles dentes.
Vive dizendo que me quer como peça exclusiva no seu quarto, mas eu sei da coleção que ele tem por lá. Não quero fazer parte, são obras de arte lindas e que marcam muito sua história, mas são memórias de algum tempo bonito que viveu. Das suas linhas parece que sempre falta fôlego. Não é pela falta de vírgulas, pontos ou parágrafos, é por sua ânsia. Jorra detalhes para todos os cantos e não há palavras o suficiente nesse mundo para que ele as coloque no papel. Tenho pena de quem se torna sua musa e um medo imenso de parar na ponta de sua caneta. O problema é que parte do medo é também desejo, vontade do proibido, do que não se pode aguentar. Graças aos deuses eu aprendi a controlar isso a ponto de não deixar ser maior que eu. Seu pessimismo é que me mata, é o que dá mais vontade de juntar os cacos e fazer dele inteiro novamente, mostrar que dá pra ser amor dividindo uma lata de leite condensado. Me mata ver ele se jogando em um mar de sombras retorcidas, dá vontade de mergulhar e salvá-lo desse inimigo que desconheço, mesmo sem saber nadar. É tolo. Por isso mesmo tapo meus ouvidos para não ouvir as ondas engoli-lo, caminho na direção oposta, vejo o sol onde só tem chuva. É imbecil também.
Ele é capaz de despoluir meus ouvidos, desembaçar meu mundo e desenterrar toda a minha insanidade. Essa minha insensatez de querer beijar o perigo ainda me tira a vida. Logo ele que é tão tóxico, tão impuro e impróprio. Chegou como o frio da cidade, sem pedir licença para ficar beirando a minha casa. Se eu abro a porta, essa tormenta vem e bagunça tudo o que que eu demorei séculos para organizar. Destrói tudo. Não deixo e pronto. Então eu peço pra ir embora com o coração implorando para ficar. Eu o sufoco no grito que solto no travesseiro, mato e desmembro-o todo alegando que eu o adoro, que eu o quis de um jeito que não pude tê-lo e me culpo e me arranho por nunca ter lidado com esse inferno antes. Era O Morro sendo recontado e não sabíamos direito que papel interpretar. O infeliz deveria ser preso por 171, estelionato emocional, tá lá na lei "obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento". O que eu sentia era camicaze, ia de encontro ao que me matava tentando conseguir qualquer tipo de glória nessa bobagem. De novo, imbecil.
Era muito fácil olhar para ele e querer explodir. Nunca entendi como eu podia odiar tanto o fato de adorar tudo o que detesto nele. Não faz sentido algum. Eu tentei racionalizá-lo, enquadrá-lo em qualquer canto de merda na minha vida e não consegui. Ele foge a toda tentativa de fazer sentido. Eu namoro sua loucura  e não sei lidar com ela. Procuro em seu discurso toda forma geométrica que se encaixa na minha, mas me fascino com os polígonos irregulares que não fazem par com meus triângulos isósceles. Minha preguiça dele vivia de mãos dadas com as minhas meninices, imagine só o susto que levei quando me vi fazendo as unhas dos pés pensando que poderia encontrá-lo em qualquer esquina.
Foi assim que parei aqui, tentando superar o vício de falar e pensar sobre ele o tempo todo. Passa, pra variar é passageiro. Então deixa eu desabar aqui todas as incoerências de querê-lo. Preciso registrar isso antes que seja tarde demais e eu perca esse momento único de inspiração que, apesar de ser momento, dura há alguns dias já. Respiro em paz enquanto coloco os últimos pingos nos Is desse texto cansativo. Metade disso já foi, agora só falta mais um pouquinho.

Najla Brandão

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Apelo aos desbravadores de corações

   Eu não sou o que você procura.
   Eu sou um acidente de percurso numa quinta-feira embriagada onde aconteceu-me de me fazer acontecer pra você. Sou um desalinho que levanto de mansinho pra não te acordar. Não fico pro café. Não faço cafuné. Isso é parte de uma história que não foi contada e que ninguém vai comentar. Um segredinho entre nós. De novo.
   Eu sou o que você precisa, mas não o que você procura. Não vou te causar anseios, mas posso aliviar sua culpa por não amar mais quem tanto te levou aos paraísos da Terra. Posso te dar uma, duas, três horas de distração, mas não fico pra vida toda. Mesmo sabendo que eu poderia. Eu me encaixo em qualquer lugar. Eu caibo em qualquer canto. Eu sou um prêt-a-porter, mas não sou feita à medida, costurada à mão com cuidado. Eu sou um genérico barato da sua melhor experiência na vida.
   Admito minha culpa, eu não mostro o melhor de mim. Eu mostro uma maçaroca generalizada de mim mesma. Um pedaço vulgar. Isso não é apelativo e nem é a intenção ser. Eu não causo mistério, não te convido pra entrar e conhecer tudo que sou. Eu sequer faço jogo de sedução ou coisa do tipo. Simplesmente me deixo levar por situações divertidas. E na manhã vou embora ou te levo na porta e é isso. Eu sou uma experiência barata.
   Repito: eu poderia ser muito mais, eu poderia dar muito mais. Recuo. Fecho as portas. Passo os trincos. Pra lá do meu pescoço e das linhas grossas do meu corpo é zona de conflito, requer mais que vontade. Para aventurar em terras pouco exploradas é preciso muito mais do que seus apelos de beijos e delícias. Uma sinergia surreal.
   É aí que fujo. Não bate a onda. Não dá grau. Eu fui mais uma, você foi mais um. Poderia ser mais. E o interesse em bandeirar por essas matas quase virgens?

Desbravadores,
decifra-me
ou eu não
te devoro.

Najla Brandão

domingo, 14 de maio de 2017

G R A T I D Ã O



    Parabéns, vocês me fizeram chorar o dia todo.
    Senti necessidade de vir até aqui desaguar o que passa no meu coração. A gratidão que eu to sentindo não tá nem cabendo no peito. Desde a hora que acordei eu não consegui parar de chorar. Confesso que ando uma casca de ovo e, como diz a minha mãe, se me der um olhar mais firme eu já me desfaço em lágrimas. Mas hoje não é sobre isso.
    Há 22 anos atrás eu nascia, também no dia das mães, a coincidência desse evento que acontece tão raramente é parte do que me faz querer abraçar o mundo. Eu sou muito grata por tudo. Eu sou muito reclamona, isso é verdade, e a impermanência e insatisfação constante com minha própria existência como ser humano me torna insuportável de se conviver em alguns dias. Mas hoje eu tiro o dia para única e exclusivamente agradecer.
    A primeira coisa pela qual sou grata é a mãe que tenho. De longe é a mulher mais forte, incrível, fantástica e empática desse mundo. Mamãe, embora muitas vezes você se questione onde errou com seus filhos, eu só vejo perfeição em tudo o que você faz. Obrigada por me entender como mãe, como amiga e confidente. Acima de tudo, obrigada por ter feito com que eu aceitasse e soubesse lidar tão bem com meus próprios demônios, por ter me ensinado a lutar contra minha própria cabeça que insiste em me arrastar para o fundo e, por fim, por ter feito eu enxergar que as minhas dificuldades fazem de mim uma pessoa melhor. Hoje eu vejo o mundo de tantas perspectivas diferentes, sou inundada por tanto amor e compaixão que desconheço sentimentos como ódio, raiva, rancor. Feliz dia das mamães!
    Agradeço meu pai, por ter sido o maior exemplo da minha vida de volta por cima, de mudança, resiliência e resistência. Por hoje ser um pai presente, carinhoso, amável e querido. Por cuidar de mim, mesmo que não entenda sempre as minhas maluquices ou os meus desvios de conduta. Você é um pai maravilhoso e eu morro de orgulho de quem você é, mesmo que suas piadas sejam extremamente ruins e que você seja exageradamente teimoso.
           Aos amigos, suspiro. Nunca fui de ter muitos amigos. Eu nunca fui uma criança ou uma adolescente popular. Pelo contrário, eu tive inúmeras decepções com amizades que eu jurava ser pra vida inteira. Nem nos meus sonhos mais ambiciosos, eu poderia imaginar que encontraria amigos tão maravilhosos que carrego e vou carregar pra vida toda. Vocês são a minha alma-gêmea, meus amores pra vida toda, as grandes paixões da minha vida. Vocês estão acima de qualquer coisa. Namorados, faculdade, trabalho. Eu não penso duas vezes antes de ir quando vocês precisam. 'Cês não tem ideia do tanto que eu amo vocês e que em mim, vocês encontram a escudeira mais leal, fiel e protetora. Eu vou defender vocês e todas as suas falhas e defeitos até a morte. Vou chacoalhar cada um toda vez que bater uma maré de bad e vou mandar memes sempre que vocês estiverem tristes. Obrigada por cada ombro, colo, grana emprestada, rolê bão, rolê ruim, cerveja, suquinho, pizza, sushi e abraço. Obrigada por cuidarem de mim quando muitas vezes eu não conseguia fazer isso sozinha. Seguramos muitas barras juntos e vamos segurar ainda mais, com certeza. Aqui eu jogo todo o meu amor por vocês.
    Níc, bródi. Eu nem tenho o que dizer. Cada dia que passa, cada vez que a gente se vê, a gente estreita mais a nossa relação e tem momentos que eu posso jurar que somos a mesma pessoa. Papai e mamãe criaram a melhor parceria da face da terra. Não tem irmão igual a gente, não tem amor que chegue perto disso. Obrigada por ser meu melhor amigo de todos os tempos, por manter meus pés no chão quando meu coração começa a voar, pelos conselhos e por todas as vezes em que fui uma maluca e não recebi julgamento algum de você, só amor, carinho e atenção. Obrigada por ser a metade de mim que mais me completa. Eu não faço a menor ideia do que faria sem você, eu rezo todo dia pra você ficar bem e ser muito feliz. 'Cê não tem ideia do ser humano maravilhoso de lindo que você é. Te amo infinitamente.
    Aos ex-namorados, paixões avassaladoras, crushs, casos e todos os meus relacionamentos que deram certo, errado ou que não deram em nada. Obrigada pelo aprendizado, pelos ralados no joelho que fizeram de mim mais casca-grossa, pelo carinho que foi me oferecido mesmo que por curtos períodos. Obrigada pela adrenalina que correu no meu sangue e pelo frio na barriga. Pelos beijinhos na testa ou pela pegação pesada nos muros das cidades. Parece bobeira, mas vocês também fazem parte de quem eu sou e cada um fez o que pôde para me dar o que eu queria, ainda que não pudesse dar tudo. Peço perdão pelas vezes que fui louca, grossa e fiquei fora de mim. Vocês nunca tiveram a obrigação de abraçar minha insanidade, infelizmente ela vem no pacote.
    Por fim eu agradeço às inúmeras famílias das quais faço parte: faculdade, trabalho, a dupla,  agregações de círculos sociais de pessoas próximas, pessoas que frequentam as minhas três casas, pessoas que fazem a vida de quem amo mais feliz. Meu coração também derrete igual manteiguinha por vocês.
    Um dia eu vou partir para outro plano espiritual ou para debaixo da terra mesmo, mas hoje eu deixo aqui registrado que até agora, mesmo com todas as dificuldades, a minha vida é maravilhosa e eu estou cercada de pessoas lindas. O aniversário é meu, mas sou eu que devo a você presentes para vida toda. Obrigada por tornarem a minha existência menos pesada e a minha vida mais feliz. Amo vocês.

Najla Brandão

terça-feira, 9 de maio de 2017

Fluxo



    Não represo mais. 
     É estranho dizer isso. A natureza do meu próprio ser é guardar, acumular, juntar e manter a posse das coisas, das pessoas. Eu parei de represar. Deixei o rio seguir seu próprio fluxo para gentilmente tocar a superfície borbulhante da água que corre, mas que não protesta contra meus dedos fazendo com que eu me sinta cansada de segurar.
     Eu deixo ir e deixo estar. Sinto sua falta, não me lembro do seu cheiro mais, nem do encaixe do teu corpo no meu. Não consigo me recordar de muita coisa. Lembro dos seus olhos que somem quando o sorriso é sincero e afunda em covinhas esculpidas com todo o esmero do mundo, lembro da risada que ecoa baixinha num tom meio rouco e bobo. Lembro de me sentir estupidamente apaixonada e bem querida em braços que mal mal me tocaram meia dúzia de vezes. Ainda que pareçam lembranças excessivamente longínquas, posso sentir o hálito delas no meu pescoço quando me esforço para lembrar.
      Te deixo ir e te deixo estar. Não da maneira permissiva como quem pede autorização. Eu deixo no sentido de soltar sua mão pra você conquistar o mundo e mais trezentos milhões de corações e sorrisos. Eu te empurro pro mundo sem deitar na cama e rezar para você voltar. Eu só deixo. Vai, rapaz. Não existe nada no mundo que eu possa te oferecer a mais se eu te segurar pelo colarinho. Eu medito na esperança de manter esse meu sentimento silencioso e baixinho: vai lá ser feliz. Tu abre e fecha a porta quando quer e quantas vezes quiser, por que eu não a tranco e não tenho chave para te dar. Se quiser morar em mim, é só vir e deitar a cabeça no meu colo. Sei que cê vai roncar, mas eu não ligo muito. Juro. 
      Não se assusta. Pode ser que daqui pra frente eu escreva muito ou nunca mais escreva mais nada. É tudo absurdamente novo para mim. Eu observo em um plano americano de cinema a cena mais aguardada do filme: a mocinha se apaixonando pelo mocinho. São uns 200 frames que duram uns seis meses. É o longa-metragem mais longo do mundo. Cada dia um quadro diferente que parece ser idêntico ao anterior. Mas hoje é uma mão que se abaixa um milímetro a mais, amanhã é um pedacinho a mais que você se expôs, daqui duas semanas é um pedaço inexplorado de terra que eu ainda não vi,  por onde podem morar dores e amores. 
      Eu não me perdi. Eu não encontro destino onde existe coincidência. Eu não enxergo amor onde mora carinho. Eu não invento palavras e sentimentos que não saíram da sua boca. Eu não forço que você se interesse pela minha vida, meus pensamentos, minhas loucuras ou meus textos ruins. O melhor texto que escrevi ainda continua sendo sobre um amor platônico de eras jurássicas da minha vida. O melhor beijo da minha vida continua sendo de um amigo gay e o mérito de melhor química do universo e conjunto da obra é seu. Obrigada pela sobriedade, sua sensatez faz parte do que me fez derreter pelos seus encantos. 
     Não me promete nada. Eu não quero promessas para além das que já tenho firmadas contigo. Mas eu me atrevo a pedir com muito carinho. Cuida desses corações que você coleciona. Não deixa cair no chão, nem arranhar nenhum deles. Eu vou aqui tomando conta do meu pra se um dia você quiser, eu te entregar ele lustrado e inteiro e receber em troca o seu.

Najla Brandão